quinta-feira, 22 de março de 2018

O estranho caso da mão fantasma que cresceu dedo depois de morta

O estranho caso da mão fantasma que cresceu dedo depois de morta

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O cérebro humano é fascinante: meu segundo órgão favorito, terceiro se contar o fígado. Em pouco mais de 1,5 kg de uma gosma melada com consistência de geléia de mocotó temos a estrutura mais complexa do Universo conhecido, com recursos e poderes que a gente muitas vezes nem percebe. Por exemplo: feche os olhos, sacuda os braços, tente encostar a ponta dos seus indicadores. Pois é, seu cérebro tem uma noção exata de onde estão todas as partes do seu corpo, independente da visão.
Aqui surge um problema: o cérebro não evoluiu para lidar bem com a perda de uma parte do corpo, em geral você morria logo ou não se reproduzia, então não há uma vantagem evolucionária em lidar bem com essas perdas. Com o avanço da Ciência (você não, Tedson) revelamos um bug, conhecido como Síndrome do Membro Fantasma.
Após uma amputação, de 60% a 80% dos pacientes relatam ainda sentir o membro perdido, em geral com sensação de dor. E nada resolve: há tratamentos com antidepressivos, analgésicos, mas os resultados são muito inconclusivos.
Um método que funciona bem em alguns casos é a caixa de espelhos, criada pelo neurocientista indiano Vilayanur S. Ramachandran. Ele teve uma paciente que havia perdido a mão, mas sentia dores terríveis, que descrevia como se estivesse apertando o punho com extrema força, sem parar. O Dr Ramachandran então teve uma idéia: construiu uma caixa com espelhos, a paciente colocava os dois braços nela, mas via o braço normal e no lugar do amputado, um reflexo da mão normal.
Ele instruiu a paciente a fechar punho normal, se concentrar no da mão amputada, e visualizar a mão abrindo, enquanto abria a remanescente.
O tratamento funcionou, e ela parou de sentir dor.
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TECNICAMENTE é algo psicológico, já que acontece no cérebro, mas também é fisiológico. A hipótese mais recente acha que a síndrome do membro fantasma é causada por ruídos nos terminais nervosos que levam ao cérebro sinais do membro perdido. É possível também que aquela região, depois de privada de sinais por algum tempo, comece a gerar picos aleatórios de eletricidade, e o feedback interno leve à dor.
No caso do título, a situação é mais curiosa ainda:
A paciente com 18 anos sofreu um acidente de carro, e depois de seis meses os médicos decidiram amputar sua mão. Só que ela nasceu com um defeito de nascença e só tinha três dedos: médio indicador e aquele que o Lula cortou.
Ela começou a desenvolver síndrome de membro fantasma, e relatar dores. Ela foi parar no consultório do Dr Ramachandran, que descobriu que a fonte da dor da paciente eram… o polegar e o indicador.
A “mão-fantasma” da paciente tinha cinco dedos, com o polegar e o indicador menores, mas existentes. Mesmo tendo sido condicionado a vida inteira a lidar com apenas três dedos, o cérebro da paciente sabia que uma mão normal tem cinco dedos (sorry, Cicarelli) e na ausência de input, votou ao modo default.
Usando a caixa de espelhos, o Dr Ramachandran conseguiu reverter o quadro, fazendo depois de várias sessões os dedos novos crescerem até o tamanho normal (link do paper).
Essa descoberta é um excelente sinal de que mesmo em casos de deficiências gravíssimas de nascença, o cérebro tem o firmware pronto para lidar com um corpo plenamente funcional, mesmo que robótico. E dá pra ir mais adiante: visto que Evolução é uma imensa gambiarra, provavelmente ainda temos estruturas abandonadas usadas para controlar coisas como asas, caudas e garras retráteis.
Fonte: Smithsonian.

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